

De adolescente fascinada pelo sistema bancário a acadêmica premiada e líder do debate nacional sobre administração pública, Ana Carla Abrão Costa se reinventou dentro da sala de aula. Doutora em Economia pela FEAUSP (ingressante em 2000), ela iniciou seu envolvimento com a Sempre FEA no Conselho Consultivo e hoje integra o Conselho de Administração. Nesta entrevista, ela fala sobre suas escolhas acadêmicas e profissionais.

Como foi a decisão de cursar Economia?
Eu tinha 16 anos quando decidi fazer Economia. Era a formação que fazia sentido para quem queria trabalhar em banco. Meu pai fundou um banco regional em Goiás na década de 1980 e entre todos os filhos somente eu demonstrava esse interesse pelo negócio. Meu pai achava esquisito porque queria que eu focasse em casar e ter filhos, mas para mim era inegociável.
O que te motivou a fazer mestrado e doutorado em Economia?
Entrei na Universidade de Brasília em 1987 e as disciplinas de Microeconomia e Moedas e Bancos me atraiam mais do que as de Macroeconomia. Quando terminei a graduação, meu pai ainda me achava muito jovem para trabalhar no negócio dele (Banco Brasileiro Comercial ou BBC). Por isso, prestei prova da ANPEC (Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia) e fui para a FGV do Rio de Janeiro em 1992 fazer meu mestrado em Economia.
Concluí o curso, mas não defendi a tese na ocasião porque fui cuidar das duas agências do BBC na cidade, além da agência de Vitória, no Espírito Santo. Aí veio a crise e muitos bancos pequenos desapareceram. O banco do meu pai quebrou em 1998.
Eu estava com dois filhos pequenos, recém-separada e via o mundo dos negócios se deslocando para São Paulo. Como estava desempregada, resolvi voltar a estudar para pleitear o doutorado na FEA. Defendi a tese de mestrado em Regulação Bancária em 1999. Fiz os exames pré-doutorais e fui aceita como bolsista da Capes no curso de Doutorado em Teoria Econômica da FEA.
Como foi sua experiência como aluna da FEA?
A FEA foi meu reinício de vida acadêmica, profissional e pessoal. Fiquei quatro anos lá, de 2000 até 2003. Como eu era mais velha do que meus colegas de turma, também fiquei muito próxima dos professores. Fiz grandes amigos e me inseri em São Paulo por meio da FEA.
Embora eu tenha feito graduação em Economia em Brasília e mestrado em Economia no Rio, a FEA me trouxe um outro universo de economistas, com outros focos de conhecimento e interesses muito mais diversos do que nos meus cursos anteriores.
Hoje, quando vou à FEA, encontro os professores, transito por ali, é como chegar em casa. Tenho uma dívida de gratidão com a FEA pela importância na minha reinvenção como pessoa, como profissional e por me fazer sentir uma cidadã paulistana.
Como foi sua volta ao mercado de trabalho após o doutorado?
O andamento da minha tese travou em 2002 porque eu precisava de dados aos quais somente o Banco Central tinha acesso. Por coincidência havia um concurso público aberto no Bacen. Resolvi então prestar o concurso, fui aprovada e me tornei servidora pública, atuando no Departamento de Pesquisa em Economia Bancária, no prédio da Avenida Paulista.
O Bacen sempre apoiou a conclusão da tese “Três ensaios em Microeconomia Bancária” como sendo uma contribuição como servidora, como parte do meu trabalho. Essa tese ganhou o Prêmio Haralambos Simeonidis (da ANPEC) e o Prêmio FEBRABAN de Microeconomia Bancária e foi adotada então pelo Bacen como a metodologia oficial de decomposição do spread bancário no Brasil. (Acesse a tese neste link).
Foi uma época muito rica pessoal e profissionalmente, juntando as interações com alunos e professores, o trabalho, a conclusão do curso, a tese, o título de doutora, os prêmios. Isso me abriu muitas possibilidades e ainda hoje colho os frutos daquele período.

E como você se reinseriu no setor privado?
Minha filha nasceu e eu saí do Bacen em meados de 2006. Até ali eu era monotemática, meu mundo era banco, crédito e microeconomia. Eu nunca havia trabalhado com macro até me tornar economista-chefe da Tendências Consultoria, quando passei a focar em conjuntura.
Em seguida, recebi um convite do Itaú, onde fui responsável por pesquisa em crédito, depois diretora de capital e, na sequência, de modelagem de risco de crédito. Fiquei no banco entre 2008 e 2014, quando fiz um mega shift, dei um cavalo de pau da minha trajetória profissional.
Saí do Itaú com vontade de me envolver com o setor público. Eu tinha a sensação de que já tinha feito tudo no âmbito de banco, risco e crédito e achava que tinha de contribuir com algo voltado ao desenho de políticas públicas.
Você foi do mercado financeiro para um protagonismo na administração pública. Como foi essa transição?
Fui chamada pelo Prof. Eduardo Giannetti da Fonseca para contribuir no programa de governo de Marina Silva, que era candidata à presidência em 2014. Minha primeira e natural escolha foi focar na minha expertise, ou seja, em formulação de políticas que contribuíssem para o desenvolvimento do mercado de crédito brasileiro. Meu papel foi então o de desenhar propostas de inclusão financeira e crédito para a população de baixa renda. Marina não foi adiante, mas como eu transitava em vários grupos de economistas, no segundo turno me envolvi na campanha do Aécio Neves. Como ele não ganhou, pensei que minhas oportunidades em governo ficariam interrompidas por ao menos quatro longos anos.
Foi quando tive a oportunidade de encontrar aqui em São Paulo o governador do meu Estado, Marconi Perillo, que havia se reelegido pela quarta vez. Ele fez o convite para eu me juntar ao governo como secretária da Fazenda de Goiás. Embora eu não fosse especializada na parte fiscal nem em administração pública, eu estava com muita vontade de dar uma contribuição relevante ao país e ao meu Estado. Deixei meus filhos em São Paulo e, durante 2015 e 2016, eu ia e voltava de Goiânia toda semana.
Era um período crítico para um ajuste fiscal. Minas Gerais havia quebrado, o Rio de Janeiro idem e Goiás era o próximo da lista. Foram dois anos muito intensos. Fiz um contrato de metas com o governador, falei que ficaria até cumprir essas metas, principalmente a privatização da CELG (Centrais Elétricas de Goiás), porque precisava privatizar para resolver questões estruturais de Goiás.
Mas até pela proximidade entre Goiânia e Brasília e a intensidade das agendas estaduais naquele período, eu acabei atuando em outras agendas, muitas delas nacionais. Por conta dessa experiência, me tornei grande porta-voz da agenda da reforma administrativa, publicando artigos, fazendo palestras em secretarias de outros Estados, indo ao Congresso em Brasília e atuando com um advocacy intenso e muito vocal. Mas já era tempo de voltar para São Paulo e retomar minha trajetória profissional e também meu convívio familiar.
Desde essa experiência no governo estadual, o que você tem feito?
Em 2017, passei a liderar a operação da consultoria americana Oliver Wyman no Brasil. Enquanto eu liderava a consultoria, também era conselheira da B3. Após dois mandatos, fui convidada a me juntar ao corpo executivo. Desde 2023 sou Vice-Presidente de Novos Negócios da B3, focando em atividades adjacentes à bolsa, como empresas de dados, plataforma de negociação de criptomoedas e fundo de investimento em startups.

Qual é seu envolvimento na Sempre FEA?
Para mim é muito bacana estar na Associação desde o início. Fui procurada por Eduardo Vassimon (ingressante em Economia em 1977, cofundador e Associado Vitalício), com quem eu já havia trabalhado no Itaú e na B3. Ele sabia que eu tinha feito doutorado na FEA e falou que havia reunido um grupo de pessoas vinculadas à FEA que queriam contribuir com o fortalecimento da FEA, devolvendo assim um pouco do que receberam ali. Todos nós sabemos da importância da FEA nas nossas vidas e no que conquistamos individualmente graças à formação que tivemos.
Primeiro integrei o Conselho Consultivo. Desde o início eu participava das bancas de avaliação dos projetos e fiquei muito entusiasmada. Era uma dificuldade escolher pois a gente queria fazer tudo. Estive em momentos de entregas muito emblemáticas. Ali vi a contribuição que a Sempre FEA estava dando desde o início — e com uma gestão supercompetente e comprometida.
Me convidaram para o Conselho de Administração e agora darei continuidade a esse trabalho de uma forma mais próxima do dia a dia. Estou muito animada. Muito do que sou e conquistei eu devo à FEA. O que me motiva e coloca a Sempre FEA no topo das minhas prioridades é essa oportunidade de poder contribuir e devolver o que a FEA me deu a partir de um projeto liderado por pessoas que genuinamente querem contribuir para que a FEA garanta seu protagonismo no debate e na produção acadêmica brasileira.