
Assim como tantos alunos que vêm de fora de São Paulo, o Associado e Conselheiro de Administração da Sempre FEA Guilherme Pinho Bonifácio (ingressante em Economia em 2002) fez da USP seu lar na cidade. Na FEA Júnior, iniciou com seus colegas a parceria que um dia se transformaria no time fundador do iFood. Nesta entrevista ele fala da sua trajetória e conta como a história da empresa de tecnologia líder em entregas na América Latina se conecta à FEAUSP.
Por que você saiu do Tocantins para estudar na FEAUSP?
Meus pais eram funcionários públicos em Goiás e quando o Estado do Tocantins foi criado, eles foram em busca de oportunidade na capital provisória do novo Estado, Miracema do Norte. Quando nos mudamos para lá, quase não tinha estrada pavimentada, havia somente um ou dois colégios de segundo grau no Estado inteiro. Depois, morei em Palmas dos 12 aos 18 anos e lá percebi como ser empreendedor era impactante. Eu via o dono da farmácia, o dono do supermercado crescendo. Achei que uma carreira em negócios poderia me ajudar.
Como foi sua experiência na FEA e seu envolvimento inicial com a FEA Júnior?
Fiz o vestibular em Uberlândia, e depois que recebi o resultado me matriculei por procuração. Vim com a família de carro do Tocantins, seguindo o Guia 4 Rodas, e pisei em São Paulo pela primeira vez um dia antes do começo das aulas. No dia seguinte, fui para a faculdade e sentei na primeira fileira. Os veteranos fizeram uma aula fake, passaram tarefas difíceis. Saí da aula quase chorando e achando que eu nunca conseguiria me formar. Só no dia seguinte percebi que era trote. Mas aí começou a Semana dos Bixos. As pessoas aqui de São Paulo já têm suas vidas e seus amigos, mas para quem é de fora, essa semana de integração é fundamental.
Minha vida passou a ser 100% USP. Fiz inglês na FFLCH, conheci o pessoal de Artes Cênicas da ECA e consegui que o CAVC patrocinasse um curso de teatro para os alunos da FEA. Fiz aula de forró no FEA 5, espanhol no CAVC Idiomas. Comi cinco anos no Bandejão porque não tinha dinheiro para comer em outro lugar.
Acabei me envolvendo com a FEA Júnior porque era a melhor forma de aproveitar o meu tempo em São Paulo, mas foi uma mudança na minha formação. Eu adorava Economia como desafio intelectual e eu sou o cara racional do manual de Economia que quer otimizar tudo. Só que na FEA Júnior percebi que gosto mesmo é de trabalhar com gente e gestão.

Guilherme com casaco da FEA Júnior em viagem ao Peru no final da graduação
Na FEA Júnior você integrou o time vencedor da Competição Global de Casos de Negócios da Universidade de Washington, representando a FEAUSP. O trabalho desenvolvido para participar do torneio foi a semente do iFood. Como isso aconteceu?
Fui presidente da FEA Júnior em 2004 e nossa gestão tinha desenvolvido uma competição de casos dentro da faculdade, para que os professores participassem da banca e validassem as soluções apresentadas. Nós acreditávamos nisso e queríamos inscrever a FEA na competição internacional (Global Business Case Competition) em Seattle. Eduardo Baer, Felipe Fioravante, Renato Motta e eu montamos uma máquina de resolver casos e ganhamos a competição com louvor. A gente detonou!

Guilherme, Renato, Felipe e Eduardo — a equipe da FEAUSP vencedora da Global Business Case Competition em Seattle, que mais tarde se associaria a Patrick Sigrist (ESALQ USP) para fundar o iFood
Mais adiante, eu e esses mesmos colegas saímos dos nossos respectivos empregos para empreender. A gente queria se tornar sócio de uma empresa que precisasse de um turnaround para aplicar nossa metodologia de gestão.
Como foi sua trajetória profissional até a criação do iFood? Como ser FEAno te ajudou a percorrer esse caminho?
Comecei estagiando na consultoria de gestão do conhecimento e inovação TerraForum. O fundador José Claudio Terra, um cara brilhante, contratou um FEAno como o primeiro funcionário, gostou e passou a contratar outros FEAnos. Era o ambiente da Júnior, eu trabalhava com meus amigos, com um chefe super aberto que queria ensinar e expunha a gente a desafios.
Depois de três anos lá, quis acelerar a carreira e fui para a Gradus, que era bem mais cartesiana, o oposto da TerraForum em alguns aspectos, mas também expunha os consultores a um ambiente desafiador, com uma cultura de gestão baseada em disciplina e processos, que eu passei a valorizar muito.
Fiquei lá um ano e decidi sair para empreender com aqueles mesmos três amigos da FEA Júnior (Baer, Fioravante e Motta). Eduardo havia trabalhado com Patrick Sigrist na Disk Cook, uma pequena empresa que fazia gestão de delivery para restaurantes. Juntos eles desenvolveram a ideia de criar um marketplace de delivery, conectando restaurantes a consumidores digitalmente, nos moldes das empresas que estavam surgindo na Europa. Eduardo inclusive usou esse caso em seu trabalho de conclusão do curso de Administração.
Era 2008, nós quatro estávamos entediados de tanto fazer slide e achávamos que sabíamos tudo sobre gestão. Aos 24 anos, a ignorância é uma benção! Aceitamos ir para a Disk Cook com o desafio de digitalizar a empresa e montar o iFood.
Trabalhamos nisso durante anos, recebendo um terço do salário de antes em troca de equity. A gente aceitou ganhar pouco porque acreditava muito na tese do marketplace digital. Não foi fácil. A empresa quase quebrou. Cheguei a conversar com um ex-chefe para perguntar se eu poderia ser recontratado e ele disse que eu era louco por ter deixado a carreira em consultoria para viver um conto de fadas.
Mas aí conseguimos captar recursos com um dos poucos fundos de venture capital que existiam na época, a Warehouse, e depois levantamos recursos com um investidor estratégico, o Grupo Movile. Fiz o meu exit em 2018 e desde então comecei a usar meu tempo e dinheiro para investir em startups, mas a conexão com a FEA nunca deixou de existir.
Você tem um histórico de envolvimento contínuo com a FEA e participa da Sempre FEA desde a fundação. O que te motiva?
Claramente eu não teria chegado aonde cheguei se não tivesse estado na FEA, na FEA Júnior, se não tivesse conhecido ali meus três parceiros. Minha esposa (Juliana Tavares Martins, ingressante em Administração em 2002) também é FEAna e hoje temos três filhos.
Sou muito grato por tudo o que a FEA me deu. Me sinto responsável e não consigo ficar passivo. Apoiei financeiramente a reforma da biblioteca, a escultura da Tomie Ohtake. Me envolvi com os alunos fazendo palestras sobre inovação na FEA e atuando como conselheiro informal na FEA Júnior. Quando a Sempre FEA surgiu, senti que era o que eu precisava e hoje sou Conselheiro de Administração.

O casal na FEA, à espera da primeira filha
Sua atuação junto à comunidade FEAna é focada em um dos pilares da Sempre FEA, o Empreendedorismo. Qual é o impacto disso para você e para a comunidade?
Ser porta-voz dessa bandeira na comunidade FEAna é muito gratificante. Tenho o empreendedorismo como missão pessoal, porque é uma alavanca para que a gente tenha uma sociedade melhor.
Também é importante ser um exemplo. Quando resolvi empreender, nem eu sabia exatamente o que estava fazendo porque na minha época ninguém saía de um emprego para empreender. Eu não tive exemplos, as referências eram inalcançáveis. É legal quando os atuais alunos conhecem o que os ex-alunos fazem. E para nós ex-alunos é muito bom se sentir relevante para alguém em início de carreira, que pode aproveitar nossa experiência.
Vejo que a comunidade começa a colher os frutos disso. Pela minha trajetória na FEA Júnior, sei o quanto as entidades são relevantes e o poder que a Sempre FEA tem de catapultar isso. O potencial é grande, de criar conexão e um espírito de comunidade que pode fazer tanto por ex-alunos, atuais alunos e professores.